Uma Fé Que Não Foi Confirmada - Comentário de João 2.23
Por João Calvino
“23 Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome;
24 mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos.
25 E não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana.”
(O comentário dos versos 24 e 25 está registrado em outro texto com título alusivo aos mesmos)
23. “Muitos acreditaram”. O evangelista liga adequadamente esta narrativa com a anterior. Cristo não tinha dado o sinal que os judeus lhe solicitaram; e agora, quando ele não produziu qualquer bom efeito sobre eles por muitos milagres - exceto que eles entretiveram uma fé fria, que era apenas a sombra da fé - este evento prova suficientemente que não mereciam que ele atendesse aos seus desejos. Isto foi, de fato, alguns frutos dos milagres, que muitos viessem a acreditar em Cristo e em seu nome, assim como professar que desejavam seguir a sua doutrina; porque a palavra “nome” é usada aqui em lugar de “autoridade”. Este aspecto da fé, que até então era inútil, poderia vir a ser transformado em verdadeira fé, e poderia ser uma útil preparação para celebrar o nome de Cristo; e ainda o que temos aqui escrito, é verdade, pois eles estavam longe de ter bons sentimentos, de modo a serem beneficiados com as obras de Deus, como deveriam ter feito.
No entanto, esta não era uma fé fingida pela qual eles desejavam ganhar reputação entre os homens; pois eles estavam convencidos de que Cristo era algum grande Profeta, e talvez até mesmo atribuíram-lhe a honra de ser o Messias, em relação a quem havia naquela época uma forte e geral expectativa. Mas, como eles não entenderam o ofício peculiar do Messias, sua fé era um absurdo, porque estava exclusivamente direcionada para o mundo e as coisas terrenas. Foi também uma crença fria, e desacompanhada dos verdadeiros sentimentos do coração. Porque hipócritas não aderem ao Evangelho, para que possam se dedicar em obediência a Cristo, nem com aquela sincera piedade para que possam seguir a Cristo quando ele lhes chama, mas porque não se aventuram a rejeitar totalmente a verdade que eles conhecem, e especialmente quando não encontram razão para se oporem a ele. Porque, assim como eles voluntariamente, ou de comum acordo, fazem guerra contra Deus, por isso, quando percebem que sua doutrina é contrária à carne e aos seus desejos ímpios, eles ficam imediatamente ofendidos, ou, pelo menos, retiram-se da fé que já tinham abraçado.
Quando o evangelista diz, portanto, que aqueles homens “creram”, eu não entendo isto como se eles tivessem uma fé que não existia, mas que foram, de alguma forma constrangidos a se alistarem como seguidores de Cristo; e, no entanto, parece que a sua fé não era verdadeira e genuína, porque Cristo os excluiu do número daqueles cujos sentimentos eram verdadeiros. Além disso, aquela fé dependia apenas de milagres, e não tinha raízes no Evangelho e, portanto, não poderia ser estável ou permanente. Os milagres, ajudam de fato, os filhos de Deus a chegarem à verdade; mas não correspondem à crença real, quando eles admiram o poder de Deus, a fim de crer meramente que isto é verdade, mas não para se submeterem inteiramente a ele, e, portanto, quando falamos genericamente sobre a fé, saibamos que há um tipo de fé que é percebida pelo entendimento apenas, e depois desaparece rapidamente, porque ela não é fixada no coração; e é a fé a que Tiago chama de morta; mas a verdadeira fé sempre depende do Espírito de regeneração (Tiago 2.17, 20, 26). Observe-se, que nem todos obtêm um igual benefício com as obras de Deus; porque alguns são conduzidos por elas a Deus, e os outros só são movidos por um impulso cego, assim que, embora eles percebam realmente o poder de Deus, ainda não deixam de vaguear em suas próprias imaginações.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 10/10/2014