QUAL O PAPEL DO CRENTE E DE DEUS NA SANTIFICAÇÃO?
John F. MacArthur Jr.
Alguém falou a certo pastor:
A Escritura afirma que 'Não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim'.
Não temos que fazer nada por nossa santificação, mas simplesmente nos rendermos a Deus e deixarmos que Ele faça tudo.
Na verdade, esta pessoa estava refletindo o ensino de um movimento nos Estados Unidos, chamado "Vida Mais Profunda" (deeper life), o qual afirma que, para se viver a vida cristã em santidade não se precisa fazer esforço algum, pois o poder deve vir de Cristo - isso tem uma parte da verdade, mas exclui uma outra verdade igualmente importante: a Escritura exorta o crente a viver a vida cristã com esforço. Veja o que a Palavra nos diz:
"Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança";
"para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas". Hebreus 6:11-12
"que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo".
"Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações",
"para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo"; 1 Pedro 1: 5-7
Mas, gostaria de enfatizar o que nos diz o apóstolo Paulo, em Filipenses:
"... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor";
"porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade." Fp 2: 12, 13
Quietismo e Pietismo
O que aquela pessoa falou ao pastor sobre santificação é chamado de "quietismo". O quietismo afirma, que o cristão deve ser passivo no crescimento espiritual. Devemos deixar que Deus faça tudo, pois nosso frágil esforço só faz atrapalhar a ação de Deus. Devemos apenas "nos render" ao Espírito Santo, e Ele nos dará a vitória.
O oposto do quietismo é o "pietismo", que ensina que os crentes devem trabalhar muito, e praticar uma autodisciplina extrema para conseguirem piedade pessoal. Devemos fazer estudos bíblicos enérgicos, ser autodisciplinados, obedientes, e diligentes para conseguirmos vidas santas, mas não pára aí; adota padrões legalistas no seu modo de vestir, de comer, no seu estilo de vida, etc.
Muitos quietistas e pietistas concordam em que a salvação é pela graça, por meio da fé, mas a discordância deles é na área da santificação.
Os quietistas desprezam o esforço do crente e arriscam-se a promover a irresponsabi1idade, e a apatia espiritual. Os pietistas exageram o esforço humano, tendem a provocar o orgulho e a cair no legalismo.
Equilíbrio Adequado
Vejamos o que Paulo nos diz no capítulo 2: 12-13 de sua carta aos Filipenses:
"Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade."
No capítulo 12, Paulo fala como um pietista, que nós temos de agir:
"...desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor".
No versículo 13, ele fala como um quietista: que Deus é quem age:
"Deus é quem efetua em vós"...
Vemos aqui o perfeito equilíbrio, apesar de não compreendermos tudo completamente, pois o texto diz que devemos agir, mas na verdade é Deus que está operando em nós, tanto o querer como o efetuar.
Paulo não se preocupa em dar explicações, mas simplesmente afirma os dois lados. Quem pode compreender a mente de Deus? Seus pensamentos são muito altos para nosso entender limitado. (Is 55: 9; Dt 29: 29)
O mesmo problema existe no ensino bíblico sobre a salvação.
O Evangelho exige um ato do homem, no qual o pecador se arrepende e põe sua fé na pessoa e obra de Cristo, no entanto a Escritura garante que a salvação é uma obra totalmente de Deus (Ef 18: 9), e que Ele escolheu pessoas para a salvação antes da fundação do mundo. (Ef 1: 4-5)
O mesmo se observa no ensino sobre a perseverança dos santos. Da mesma forma que a Bíblia exige "Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida ", ela nos garante que ninguém pode nos arrebatar das mãos de Deus (Jo 10: 27-29), e que ninguém pode nos separar do amor de Deus. (Rm 8: 33-35)
A salvação está garantida, mas temos de perseverar.
Na questão da santificação vemos o esforço do crente unido ao soberano controle de Deus. Paulo exemplifica este ensino ao dizer em (1 Co 15: 10);
"Pela graça de Deus sou o que sou; e sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã... " - Aqui soa como quietismo, mas logo diz:
"antes, trabalhei muito mais do que todos eles", agora soa como pietismo, e termina afirmando: "todavia não eu, mas a graça de Deus comigo."
Isso é quietismo novamente. Paulo não estava defendendo nem o pietismo nem o quietismo, mas mostrando um perfeito equilíbrio entre Deus, o qual opera no crente, e o crente mesmo, que deve se esforçar por ser santo.
Ele nunca falou de sua santificação sem reconhecer ambos os lados. Dessa forma vemo-lo afirmando novamente, em Cl 1: 28-29, que se afadiga e se esforça segundo a eficácia que opera nele.
"Afàdigo-me", no grego, é a palavra kopiao, que se refere ao trabalho cansativo, à exaustão.
"Esforçando-me" no grego, é a palavra agonizomai, que significa agonizar, lutar, sofrer.
Porém, completa: "Segundo a eficácia que opera eficientemente em mim ".
Os crentes devem usar todas as suas energias para servirem ao Senhor com diligência; ao mesmo tempo, tudo que se realiza em nosso íntimo é a obra de Deus.
Qual a nossa parte? Desenvolver a nossa salvação.
"Desenvolvei a vossa salvação".
No grego é o presente do imperativo; "esforçai-vos incessantemente para desenvolver a vossa salvação".
Não é uma ordem dada a incrédulos, mas a crentes. Não é, portanto um esforço para se ganhar a salvação, pois esta é um dom de Deus, mas é um chamado aos crentes para que se esforcem e sejam diligentes no viver santo. (1 Co: 7: 1; Ef 4: 1)
O sentido mais correto não é "trabalhem pela salvação", mas "trabalhem na salvação" em direção à consumação da fé, em busca da santidade.
Qual é a nossa parte na santificação, bem como a de Deus, continua na parte 93.